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Governo quer mudar regras trabalhistas por decreto e entidades criticam

O Governo Federal divulgou uma proposta de decreto sobre regras trabalhistas em meados de fevereiro, abrindo espaço para opiniões da sociedade civil (consulta pública). A iniciativa teve pouca repercussão, mas entidades acabaram vendo no texto “trechos polêmicos”, como a ampliação da lista de atividades com autorização permanente para trabalhar aos domingos e feriados, conforme reportagem do jornal O Estado de S. Paulo.

É o caso da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), que vê inovações e até inconstitucionalidades no texto.

Já o Executivo, por sua vez, alega que o esboço de decreto sistematiza diversos decretos anteriores. No Brasil, o governo pode editar decretos que detalham a aplicação de regras aprovadas pelo Congresso. Segundo o Planalto, a ideia seria simplificar as regras infralegais – ou seja, as normas que estão abaixo da leis feitas pelo Congresso.

Ocorre que nas regras após 1988, ao contrário de períodos anteriores, o Executivo teve suas competências limitadas.

“Certamente esse decreto é inconstitucional. Os decretos podem tratar de questões pontuais dentro da administração pública. Não se pode criar ou alterar direitos por decreto. Fazer “Prêmio Nacional Trabalhista”? Não tem problema. Mas alterar a forma de mediação de conflitos coletivos, tratar de terceirização, décimo terceiro, não pode”, explica Paulo Yamamoto, pesquisador e doutorando em Direito do Trabalho pela USP.

A proposta do governo teve uma recepção consensual: foi rechaçada pela Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho, Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas e pelo Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho.

Segundo as entidades, que assinaram nota conjunta, o Executivo extrapola suas prerrogativas, indo além da mera regulamentação da legislação: “A simples análise dos dispositivos iniciais revela a intenção de se alterar toda a lógica do sistema protetivo trabalhista”.

“Decretos servem tão-somente ao detalhamento de situações já legalmente contempladas e, assim, não podem enunciar princípios jurídicos ou inovar, estabelecendo regras”, dizem as organizações, “a minuta apresenta um arcabouço jurídico inovador, dotado de princípios próprios e de normas diferentes das previstas constitucional e infraconstitucionalmente”.

Segundo a nota, a consulta pública pode ser realizada, mas não substitui outros procedimentos. “O mecanismo revisional da legislação trabalhista proposto contraria diretamente a exigência de diálogo tripartite (governo, empregadores e trabalhadores)”, afirmam.

Para as entidades, a redação da proposta de decreto emprega uma linguagem abstrata e pouco objetiva, o que indicaria que o Executivo está invadindo a esfera do Legislativo, “tendo natureza jurídica de princípio normativo, permitindo que o Poder Executivo Federal atue com excessiva discricionariedade na suposta regulamentação dos direitos trabalhistas”.

Para Thiago Barison, doutor e professor de Direito, a proposta de decreto deve passar por uma “análise minuciosa”, observado qual será o impacto das alterações sobre a fiscalização realizada por auditores do trabalho.

“Eles fazem de uma forma perspicaz, mas a regulação do feriado é uma possibilidade concreta de inviabilizar a previsão constitucional de descanso preferencial no domingo, sem nenhuma justificativa. Há também questões de saúde e segurança do trabalho. Temos que analisar linha a linha o que essa proposta pode significar na ponta”, diz.

A consulta pública sobre a minuta de decreto vai até o dia 6 de março.

Fonte: SeebRio