Menu fechado

Após se frustrarem com plataformas de investimentos, assessores voltam para grandes bancos

Os bancários entraram na mira das corretoras que queriam usar sua expertise para transformá-los em assessores de investimento ou até mesmo agentes autônomos. Com o tempo, no entanto, muitos profissionais se frustraram com relações de trabalho e metas inatingíveis e estão voltando aos grandes bancos

Em meados de 2018, não era difícil encontrar plataformas de investimento buscando gerentes de bancos para transformá-los em agentes autônomos ou assessores na própria corretora. Naquela altura, a ideia era recrutar profissionais do setor bancário, familizariados com o mercado financeiro e com uma carteira de clientes já montada, para ajudar a impulsionar o negócio das corretoras. Agora, quase cinco anos depois, muitos profissionais buscam fazer o caminho inverso. Eles saíram de bancos com a promessa de mais liberdade e autonomia e se associaram às plataformas, seja como agentes autônomos ou como funcionários das corretoras. Com o tempo, eles se frustraram com algumas relações de trabalho e agora voltam aos bancos.

O modelo de negócio em que as plataformas vêm se baseando para conseguir captar mais clientes é relativamente simples. Em uma das estratégias, as corretoras lançam mão dos escritórios dos assessores de investimento (antes chamados de agentes autônomos). Essas empresas são independentes e oferecem serviços de assistência aos investidores, tirando dúvidas e apresentando produtos financeiros. Elas geralmente estão associadas a uma plataforma por meio de um modelo de contrato de exclusividade. Recentemente, no entanto, uma norma da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) derrubou a obrigação de ter um contrato exclusivo com uma corretora só. Ainda assim, muitas plataformas, já prevendo que isso poderia acontecer, fizeram contratos longos com esses escritórios. Assim, os assessores só podem oferecer determinados produtos que estão na prateleira daquela plataforma.

Um segundo modelo de captação é o interno. Nesse caso, os profissionais são contratados pela própria corretora para conseguir atrair novos clientes para ela e até mesmo fazer com que investidores já cadastrados tragam mais dinheiro.Segundo alguns trabalhadores, nesse formato as plataformas tendem a oferecer remunerações fixas mais baixas do que a média do mercado, mas com um bônus bem mais agressivoEssa estratégia, no entanto, passou a ser questionada desde que circularam denúncias de ex-funcionários da XP Investimentos que foram demitidos e não receberam os bônus prometidos.

Após ter passado por essa situação, um ex-funcionário da XP que não quis se identificar voltou a trabalhar para um grande banco. Com experiências anteriores em companhias como Itaú e Santander, ele conta que foi para a corretora com a promessa de autonomia e de ganhos variáveis altos, mesmo com um salário inferior ao seu último cargo. Para levá-lo, a corretora pagou “luvas” (nome dado a um pagamento adiantado para o profissional se manter) e garantiu um bônus de pelo menos R$ 60 mil no primeiro semestre, o que foi cumprido e acrescido de mais um valor devido ao seu alto desempenho.

Na parte da liberdade, as promessas da empresa também foram realizadas. Segundo o profissional, durante o tempo em que esteve na empresa, ele pôde trabalhar de casa, visitar clientes e ir ao escritório quando quisesse. Porém, com menos de um ano de contrato na empresa, ele foi demitido sob a alegação de “não ter o perfil da companhia”, mesmo tendo gerado uma receita robusta. Na hora de receber o bônus do segundo semestre, no entanto, a quantia veio bem menor do que o acordado, que seria uma porcentagem da receita gerada por ele. Agora, o caso segue na Justiça e ele passou a trabalhar na área de investimento de um dos principais bancos do país.

“Inicialmente, optei por um grande banco porque foi a oportunidade que apareceu, mas está sendo muito positivo. Me sinto mais em paz. É um projeto mais difícil porque grandes bancos ainda têm que se modernizar mais, mas o ambiente é mais agradável e menos agressivo. Lá, a gente discute nosso plano de resultado com muita audição”, afirma. Ele ainda aponta que a parte da “liberdade” prometida pela XP vem chegando aos grandes bancos, que têm aberto mão do trabalho presencial todos os dias.

E, se por um lado essa liberdade está chegando nas empresas mais tradicionais, por outro, as plataformas têm dado alguns passos para trás. Recentemente, uma mensagem de Guilherme Benchimol, fundador da XP, aos assessores e colaboradores da companhia sugeriu uma volta massiva ao formato presencial. O motivo era justamente o desempenho aquém do esperado.

Uma outra ex-funcionária da XP que passou pela mesma situação confirma que a companhia está pedindo a volta dos colaboradores ao escritório. “A questão do trabalho em casa era um dos principais pontos que eu achava positivo lá, mas agora já voltou a ficar como nos outros lugares”, conta.

Assim como o outro profissional ouvido pelo Valor Investe, ela também saiu de um grande banco para trabalhar na corretora como assessora de investimento. Ela afirma ter sido atraída principalmente pelas promessas de bônus altos, mesmo que o salário fixo fosse mais baixo. No entanto, ela também foi demitida após pouco tempo de contratação e não recebeu a remuneração variável acordada, assim como outros colegas demitidos na mesma ocasião. Ela conta que a maioria deles voltou a procurar emprego nos bancos.

Uma das razões para esse movimento, segundo a profissional, são as metas inatingíveis sugeridas pelas corretoras. “Mesmo que a XP cumprisse todas as promessas que fez na contratação, de bônus altos relacionados à performance, por exemplo, eu não acho que seria o melhor lugar para trabalhar. Porque imagina ter de ligar para 40 pessoas todos os dias para prospectar clientes e ter de captar R$ 3 milhões de pessoas físicas e pessoas jurídicas?! Não é sustentável“, afirma.

“Todo mundo que foi demitido comigo só está focando em banco, por conta da estabilidade não só econômica, mas mental também”, diz. Ela mesma afirma que conseguiu se recolocar em um grande banco após a demissão.

Grandes bancos entrando na briga

Segundo a funcionária demitida da XP, após anos de carreira no setor bancário ela afirma que este é o momento em que os chamados “bancões” mais estão investindo no segmento de investimentos.

O Itaú foi um dos primeiros, entre os grandes bancos brasileiros, a investir mais ativamente em aplicações financeiras para pessoas físicas.Em novembro de 2020, o banco lançou uma assessoria de investimentos, por meio da plataforma Íon. Na época, a intenção do banco era “triplicar a quantidade de especialistas em investimentos para atender toda a sua base de clientes”.

Um ano depois, o banco contava com 69 escritórios de investimentos nos quais atuavam mais de mil especialistas. As unidades administravam R$ 307 bilhões de patrimônio líquido e atendiam 328 mil clientes.

Na época, o Itaú afirmou que a remuneração desses profissionais era um dos diferenciais mais importantes. Nessa plataforma, os funcionários têm uma parte do pagamento de forma fixa e uma parte variável de acordo com o desempenho dele no atendimento àquele cliente.

O especialista só é bem remunerado se o cliente tiver uma boa valorização em sua carteira ao compará-la com uma carteira recomendada que o próprio Itaú monta para cada perfil de investidor. Além disso, o banco também levava em consideração outros pontos, como a avaliação dos próprios clientes.

O Santander seguiu a mesma onda e lançou a plataforma AAA (lê-se “triple A”, “triplo A” em tradução livre) em junho do ano passado. A assessoria hoje conta com 1 mil profissionais contratados em 50 cidades do Brasil. A meta é chegar a 1,2 mil até abril.

Segundo Luciane Effting, executiva de investimentos responsável pelo AAA, a plataforma oferece aos trabalhadores “o melhor que há em um banco e o melhor que há em uma corretora”.

“Aqui, o especialista começa com uma carteira de clientes iniciais, ele não precisa começar do zero. Temos uma boa infraestrutura física e tecnológica, além de sermos uma marca global e sólida, que em momentos de volatilidade do mercado faz diferença. Ainda oferecemos cursos gratuitos para certificações e um modelo de remuneração meritocrático“, afirma a executiva.

No AAA, os assessores são funcionários formais da Santander Corretora, com todos os direitos e benefícios do regime de carteira assinada, e têm uma remuneração variável, em que parte é definida pela qualidade do atendimento segundo os clientes e parte é dada pela receita que a carteira do cliente gera para o Santander.

Segundo Luciane, executiva do Santander, a ideia é que os funcionários tenham tarefas e metas que a corretora considera factíveis. “Aqui, o assessor tem uma carteira de 100 a 150 clientes, que permita uma conversa mensal, uma aproximação com o investidor”, diz.

Bradesco, por sua vez, não lançou nenhuma plataforma específica de investimentos, mas tem apostado cada vez mais na Ágora, sua corretota voltada para pessoas físicas. Desde 2019, quando a base de clientes de varejo da Bradesco Corretora foi incorporada à Ágora, o banco tem feito mudanças na marca, como investimentos em tecnologia e em marketing.

Além disso, há um aumento nos tipos de serviços oferecidos por ela. No meio do ano passado, por exemplo, a corretora anunciou o lançamento de cartão e de serviços de investimento no exterior. A plataforma, no entanto, segue estratégias como as da XP Investimentos e do BTG Pactual e também lança mão de parcerias com escritórios de agentes autônomos.

Oportunidades

A batalha com as plataformas, no entanto, não acabou. Segundo a funcionária demitida da XP, a vaga que ela passou a ocupar recentemente em um grande banco surgiu após a profissional anterior ter se tornado assessora de uma corretora.

As plataformas ainda estão de olho nos bancários. A moça que ocupava a vaga que estou agora foi para um escritório de agentes autônomos. Mas, pelo que tenho visto, o momento agora é diferente de alguns anos. Os bancos estão apostando em investimentos e têm potencial para atrair de volta essas pessoas”, diz.

Seja como for, especialistas e agentes financeiros apontam que esse mercado ainda não está saturado e as “batalhas” por profissionais devem continuar. Segundo Diego Ramiro, presidente da Abai (Associação Brasileira dos Assessores de Investimentos) e presidente da Miura Invest, há muitas vagas abertas não só nas plataformas como também nos bancos.

São cerca de 10 mil vagas abertas para 2023. E forma-se, em média, de 400 a 600 assessores por mês pela Ancord. Ou seja, não há profissionais o suficiente nem para as vagas que existem. Fora os escritórios. Então, ainda é um mercado muito carente de profissionais“, conclui.

Fonte: Valor investe (FEEB SC)