Em 1964, Osmar Ferreira passou 12 dias sob tortura e acabou demitido de agência. Com a criação da Comissão Nacional da Verdade, em 2011, ele entrou na Justiça e conseguiu o direito de retornar ao trabalho.
Um idoso de 80 anos foi readmitido para o trabalho em um banco de Feira de Santana, a 100 km de Salvador, 59 anos após ser preso pela ditadura militar. Em 1964, Osmar Ferreira passou 12 dias sob tortura, e foi demitido do serviço pela “acusação” de ser comunista.
Toda a história começou no início da década de 1960, quando Osmar conquistou o primeiro emprego no então Banco do Estado da Bahia (Baneb). Ele conta que passou a fazer parte da diretoria da associação dos empregados, que ainda em 1964 virou o sindicato.
“No meu primeiro emprego, que foi no Banco da Bahia, fui convocado por um colega do Banco do Nordeste para fazer parte de uma diretoria e ajudá-lo na fundação da Associação dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de Feira de Santana, que posteriormente veio a ser o sindicato”, lembrou.
Foi depois de se consolidar no sindicato que a vida do jovem Osmar mudou. Um dia após completar 21 anos, ele teve a carreira de bancário interrompida pela ditadura. Com o golpe militar, os sindicatos e associações foram fechados, e ele foi preso por ser diretor sindical e líder de movimento trabalhista.
“Eu estava trabalhando, no dia 8 de abril de 1964, quando entraram um sargento do Exército e dois sargentos da PM com metralhadoras na agência do banco, e eu fui chamado na gerência. Lá eu fui comunicado que deveria comparecer ao 1º Batalhão da Polícia Militar. Virei para o pessoal das Forças Armadas e disse: ‘podem ir, que vou terminar o meu serviço aqui e vou para lá’. Eles disseram: ‘você tem que ir agora’”.
Atravessado pelo golpe militar
Os 12 dias que passou em poder dos militares foram de traumas para Osmar. Ele relata que foi muito agredido com golpes, a exemplo do chamado “telefone”, quando as orelhas são atingidas com tapas ao mesmo tempo.
“Foram muitos tapas, muitos ‘telefones’ batendo nos ouvidos, para contar coisas que eu nem tinha conhecimento. Queriam que eu dissesse onde estavam as armas de Francisco Pinto, então prefeito de Feira. A alegação é de que eu seria comunista”.
Depois de ser solto, o jovem Osmar foi demitido pelo Baneb. Desempregado, foi impedido de estudar Direito por 10 anos, pelo então Sistema de Segurança Nacional. A alternativa que ele encontrou para continuar trabalhando foi atuar como caminhoneiro, junto com o pai.
Passada a década do impedimento, Osmar conseguiu se formar em direito e atuou 39 anos como advogado trabalhista e eleitoral. No ano de 2003, o Ministério da Justiça abriu o processo de anistia, e ele teve o reconhecimento divulgado em 2010.
Comissão da Verdade traz novo horizonte
Em 2011, a criação da lei que instituiu a Comissão Nacional da Verdade – órgão que investiga as violações de direitos humanos cometidas entre setembro de 1946 e outubro de 1988 – deu um novo horizonte para o agora idoso Osmar.
O Baneb, que era um banco público, foi leiloado e arrematado pelo Bradesco em 1999. Osmar entrou com ação contra a instituição particular na Justiça, e pediu reparação e indenização por danos morais. Agora, com a causa ganha, a Justiça determinou também a reintegração do bancário, além de ter condenado o banco a pagar todos os direitos trabalhistas, da data da demissão até os dias atuais.
A reportagem entrou em contato com o Bradesco, que informou que não comentaria o assunto. Na quarta-feira (26), um orgulhoso idoso Osmar retornou ao trabalho.
“Eu sei que na minha idade não existe, no Brasil, um bancário trabalhando. E eu vou cumprir a determinação judicial, esperando que algo mais venha a acontecer no futuro. É preciso lutar, porque o Brasil, desde muitos e muitos anos, desde a sua descoberta, é um país desigual e continua sendo um país desigual”, disse ele.
“Que eu sirva de exemplo para os jovens bancários da Bahia, de Feira de Santana, e do Brasil, na luta por dias melhores. Lutar sempre, não desistir jamais”.
Apoio dos amigos e simbolismo para trabalhadores
Em um dia especial como este, os amigos de longa data, que também se tornaram testemunhas de toda a história, fizeram questão de comparecer e prestar apoio ao bancário.
“Ele foi obrigado a nos deixar. Eu vejo como uma vitória, porque nós todos que ficamos, sem sofrer as consequências que ele sofreu, ficamos preocupados. E, graças a Deus, agora a Justiça se fez presente”, disse o aposentado Enooc Menezes, amigo de Osmar.
Para o atual presidente do Sindicato dos Bancários de Feira de Santana, Eritan Machado, a história do idoso carrega uma importante representação para os trabalhadores.
“Essa história de Osmar é repleta de simbolismos, em diversas dimensões. Em dimensão democrática, porque Osmar foi um lutador pela democracia, pelo direito das pessoas e dos trabalhadores. Ela tem também uma dimensão social e de justiça, porque ele não desacreditou em nenhum momento da Justiça, ele acreditou que poderia reverter essa demissão injusta, e também tem uma dimensão sindical”. (Fonte: g1)
Notícias Feeb/PR