Entrevista com, Marcelo Noronha presidente do Bradesco (Por Matheus Piovesana)
Há 90 dias no cargo, Marcelo Noronha tem como missão modernizar segundo maior banco privado do País.
Marcelo Noronha, de 57 anos, assumiu a presidência do Bradesco há 90 dias e abriu várias frentes de trabalho. A curto prazo, sua tarefa é promover uma virada na política de crédito. Em 2023, a inadimplência provocou uma queda de 21% no lucro. Mas sua missão mais ambiciosa é de médio e longo prazo: reestruturar e modernizar o segundo maior banco privado do País, um gigante com R$ 1,964 trilhão em ativos.
Há três semanas, Noronha anunciou um plano estratégico de cinco anos que promove mudanças em algumas características históricas do banco. Os níveis hierárquicos na cadeia de comando serão reduzidos para tornar o banco mais ágil.
Conhecido por ter profissionais que começaram de baixo até alcançar postos de chefia, o Bradesco vai buscar mais gente no mercado. “Continuamos a valorizar a prata da casa, mas não há dogmas em trazer talentos de fora” disse Noronha, em entrevista ao Estadão/Broadcast.
As mudanças se espalham pela Cidade de Deus, em Osasco (SP), sede do Bradesco. Vários executivos mudaram de função para se dedicar a dez grandes projetos de transformação. Foi criada uma nova vice-presidência, de Wealth Management, voltada para os clientes de alta renda.
O banco está revisando sua base de clientes, a maioria deles de baixa renda, e identificando a melhor maneira de atender cada grupo – seja por agência, aplicativo ou correspondente bancário. “Temos uma oportunidade de ganhar dinheiro, competir bem, não da mesma forma como estamos fazendo, mas com um mix”, afirmou.
Na entrevista, Noronha conta como será o processo de transformação do Bradesco, detalha sua estratégia para várias áreas do banco e diz como pretende enfrentar a concorrência. “O sentido do plano é nos tornar mais competitivos ao longo do período, que vai do final de 2023 a 2028″, disse ele.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista.
O sr. vai buscar no mercado dois novos vice-presidentes: um para reestruturar o varejo digital e outro de recursos humanos. É uma mudança histórica para o Bradesco, conhecido pelos funcionários que começavam de baixo e faziam carreira lá dentro até chegar ao topo da cadeia de comando. Por que trazer gente de fora?
Não estamos tratando de reestruturar, mas de uma estrutura diferente que reunirá segmentos e canais digitais. É sempre bom termos novos paradigmas, de bons profissionais com outras experiências – que, somadas àquelas que temos, poderão resultar em desempenhos superiores. A carreira fechada, um termo que era utilizado aqui no Bradesco para orientar a progressão de carreira, não existe mais há algum tempo. Continuamos com nossa promessa de crescimento de carreira para todos os nossos talentos, mas o momento nos deu a oportunidade para definirmos objetivamente que continuamos a valorizar a prata da casa, mas não há dogmas em trazer talentos de fora, conforme identificarmos necessidades. A mudança é emblemática e, por isso, vamos trazer um executivo que venha para fortalecer a ideia de que as pessoas são e serão as fortalezas das mudanças.
As contratações em tecnologia mencionadas na divulgação de resultado serão feitas ao longo de qual período?
Ao longo deste ano. A expectativa é terminar a contratação neste ano. Não necessariamente vai parar nisso, o movimento dirá.
Os executivos que virão de fora estão sendo buscados somente no setor financeiro ou em todos os setores?
Estamos abertos a ter profissionais de setores diferentes, desde que tenham as habilidades necessárias. É claro que a tendência é procurarmos mais em serviços financeiros, pela própria natureza do negócio. Para a área de crédito, em que estamos dando uma oxigenada, vamos buscar na atividade bancária. Mas nas áreas de recursos humanos e no digital, podem vir de outras áreas. Minha expectativa é que até o final de abril, início de maio, façamos divulgações.
Nós dividimos o banco em dois grandes grupos de trabalho que apontam para a transformação. Um grupo será responsável dia a dia de suas unidades de negócios e o outro grupo estará dedicado à transformação. Vários executivos foram deslocados para essa transformação para nos tornar mais competitivos. Criamos uma vice-presidência nova, que será responsável por coordenar os projetos de transformação do Bradesco. São vários executivos que vão apontar as novas abordagens em todas as dez grandes iniciativas que definimos, que se desdobram em várias frentes de trabalho. Outra mudança é a criação de uma vice-presidência para cuidar da área de Wealth Management (gestão de patrimônio). Nesse contexto, teremos um novo segmento para clientes que denominamos de afluentes. Uma dessas mudanças foi a eliminação de níveis hierárquicos, tornando a comunicação mais fluida e rápida em nossa organização.
No início do mês, vocês divulgaram o plano estratégico, os resultados de 2023 e uma projeção para 2024. Os dados levaram o mercado a fazer um ajuste brusco de expectativas. As ações caíram mais de 10% em um dia. O que levou ao ajuste? O mercado estava otimista demais ou a sinalização do Bradesco não estava correta?
Quando se divulga uma projeção, os analistas vão no ponto médio e projetam o lucro. Eles estavam ancorados em um lucro de R$ 22,5 bilhões e, ao olhar para o meio do guidance (orientação futura de resultados) que soltamos, encontraram um número menor, ao redor de R$ 18 bilhões. Preferimos surpreender com um resultado melhor a nos comprometermos com algo que não podemos cumprir. Se eu fosse olhar para o curto prazo, não precisávamos ter feito o plano, mas estou olhando para o curto e para o longo prazo. O sentido do plano é nos tornar mais competitivos ao longo desse período, que vai do final de 2023 a 2028.
Os competidores do Bradesco antes eram bem definidos: os grandes bancos do mercado. Hoje há um grande número de fintechs, empresas de baixo custo que concorrem com o banco, em vários nichos importantes para o Bradesco. Qual o plano para enfrentar esses novos concorrentes?
O setor financeiro sempre foi um dos mais competitivos da economia brasileira. Por essa razão, não há muita mudança em relação ao que vivemos desde sempre. É lógico que a concorrência vai mudando de cara e também o seu potencial. Com as mudanças tecnológicas que vivemos, o mundo é ainda mais competitivo. Há competidores em diferentes verticais, mas os mais tradicionais estão bem e competem muito. Encaramos tudo isso como desafios e com naturalidade O que não encaramos com naturalidade são as competições com assimetrias, seja por regras distintas, seja por vantagens fiscais de alguns. Em resumo, nosso plano está baseado em tornar o banco mais eficiente, seja em receitas, em despesas, seja em produtividade e, sobretudo, muito mais orientado às boas experiências para os clientes de todos os segmentos.
Ficar no varejo é uma decisão de negócio ou uma vocação?
É uma questão de vocação e de oportunidade. É difícil entrar nesse mercado, e o Bradesco já está lá. O varejo traz esse desafio, mas o banco de forma geral está bem. Vamos pagar a conta do varejo e temos que reduzir o custo de servir. Temos uma oportunidade de ganhar dinheiro, competir bem, não da mesma forma como estamos fazendo, mas com um mix. Por isso, estamos fazendo esse projeto do banco massificado com os grupos de clientes. Uns são eminentemente digitais, outros, remotos, e em outros teremos de ter uma combinação. Mas quem consegue chegar nos rincões? Ou é via digital ou por outros canais – e nós estamos lá.
Essa nova atuação significa mais serviços pelo Expresso (unidade do Bradesco de correspondentes bancários) e menos agências?
É uma combinação. Não estamos dizendo que vamos sair do mundo físico, mas temos que reduzir o custo. Uma agência que tem caixa eletrônico custa muito mais, porque tenho que carregar dinheiro. E depende de onde está. Em uma rua em que há outra agência mais próxima, a decisão é mais fácil. Mas, se é em um município importante, com uma base de clientes e em que eu não estou próximo, é diferente. Estamos investindo em pequenas e médias empresas, nas plataformas, vamos entregar 122 neste ano. Tem investimento em equipe gerencial, de suporte, coordenação.
Qual é a estratégia para a seguradora?
A seguradora teve em 2023 um retorno financeiro na casa dos 25%. É uma organização consolidada, o maior grupo segurador da América Latina. Ela tem um plano próprio de crescimento, com a distribuição do banco, mas também via corretores, e segue como um pilar importante. Tem um conjunto de oportunidades. A participação do mercado segurador no PIB brasileiro fica entre 5% e 6%, enquanto nos Estados Unidos é de mais de 11%. A perspectiva de crescimento do mercado segurador no Brasil é enorme. A seguradora tem hoje 25 milhões de clientes, entre correntistas e não correntistas. Temos a oportunidade de continuar auferindo rentabilidade e de aumentar a participação no mercado segurador, que tende a crescer acima de outros mercados. É um pilar importante do banco do ponto de vista de crescimento, de rentabilidade e da base de capital, porque é geradora de caixa.
E para o banco de atacado, qual a estratégia?
Compramos o controle da gestora Tivio, em que somos sócios do BV, tivemos os negócios com o JPMorgan e o BNP Paribas, que deixaram o private (segmento que atende a clientes com mais de R$ 5 milhões em investimentos) no Brasil para nós. Vamos continuar investindo nesse negócio, passo a passo. Podemos desenvolver ainda mais nosso banco de investimentos, com expansão de equipe. Estamos indo muito bem em corretoras, a Bradesco Corretora e a Ágora estão crescendo, e vemos sinergias potenciais entre as duas. Os segmentos corporate (para grandes empresas) vão de vento em popa.
Como o novo segmento voltado para o público afluente se diferenciará do Prime (que atende a clientes com renda acima de R$ 15 mil)? Ele terá produtos novos?
Estamos usando a experiência que temos no Private e no Prime, mas é um segmento novo. Ele vai ter marca nova e um time específico. Vamos entregar uma nova proposta de valor tanto para esse cliente quanto para o Prime.
Por que vocês decidiram criar um novo segmento de atendimento?
Fizemos o Prime há uns 20 anos, mas faltou renovarmos a proposta de valor. A quantidade de clientes que um gerente só atende estava um pouco acima do mercado, e estamos trazendo isso para a média. Temos uma alta participação de mercado neste segmento, de 1,7 milhão de clientes, certamente uma das maiores bases de afluentes do Brasil. A oportunidade é melhorar a relação com o cliente e aumentar a participação na carteira dele. Nos bancos tradicionais, nós e todos os outros, os aplicativos são completos. Ninguém tem a nossa quantidade de produtos e serviços. Os novos competidores entrantes dizem ter uma experiência mais fluida, mas têm porque só falam de dois ou três produtos. No nosso, está tudo aqui, mas precisamos melhorar a abordagem. (Fonte: Estadão)
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