A gamificação nas empresas é utilizada como uma espécie de estratégia de engajamento. Ou seja, nesse caso, o jogo tem suas técnicas utilizadas em processos totalmente diferentes, mas com o mesmo objetivo: estimular cada vez mais o trabalhador a se manter envolvido no “game” ou, nesse caso, no trabalho sendo explorado
A gamificação do trabalho vem sendo implementada no Brasil por meio das plataformas digitais, que têm empregado cada vez mais pessoas no Brasil. Conforme o estudo de Lúcia Garcia, técnica do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), em 2019 havia em torno de 3,5 milhões de ocupados potenciais em plataformas. Ela tomou como referência dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad-C), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Na outra ponta, Ana Claudia Moreira Cardoso, doutora em Sociologia e pesquisadora da Universidade Federal de Juiz de Fora, ressalta que esse enorme contingente de pessoas disponíveis para o trabalho plataformizado é uma “herança” do mercado de trabalho brasileiro – que tem um grande espaço para a informalidade. No mesmo sentido, a pesquisadora explica que esse contingente de trabalhadores disponíveis é um dos pré-requisitos para o sucesso das plataformas digitais.
Pandemia e aumento do uso das plataformas
O outro pré-requisito para a prosperidade das plataformas digitais fica por conta do grande mercado consumidor – algo disponível no País e que vem aumentando ainda mais com a pandemia de covid-19. “Houve uma naturalização do trabalho via plataformas digitais”, explica Ana Claudia.
Em outras palavras, a pesquisadora aponta que o trabalho sem regras, sem direitos trabalhistas e sem salário mínimo foi aceito em primeiro lugar pela sociedade brasileira devido ao alto índice de desemprego, seguido pela precarização do trabalho já vivida por muitos e, por fim, pelas regras de distanciamento social necessárias durante a pandemia.
Onde entra o jogo – a gamificação
Ainda que pelas características citadas anteriormente o Brasil pareça o ‘paraíso das plataformas’, há um ponto para que o lucro dessas grandes empresas seja ainda maior: fazer com que cada empregado trabalhe o máximo possível pelo menor preço. E é aí que entra a gamificação, segundo Ana Claudia.
Se no Toyotismo todos os trabalhadores – ainda que sem vínculos empregatícios formais – estavam todos na mesma empresa, com as novas tecnologias, os trabalhadores estão “espalhados” sem um chefe que possa controlar a produtividade.
Sem o vínculo formal e sem um chefe, os trabalhadores são controlados pelas próprias plataformas e seus algoritmos. Com a permissão do estado, frisa a pesquisadora, as plataformas apesar de parecerem modernas remontam ao princípio do capitalismo, quando se pagava por peça produzida. E para convencer os empregados a trabalharem mais, as plataformas desenvolvem jogos com recompensas.
A gamificação compensa para quem dita as regras do jogo
Por exemplo, se um entregador fizer 10 entregas em uma hora, ganhará um adicional de R$ 10. Contudo, como é o próprio algoritmo que controla as entregas destinadas a cada trabalhador, ela estimula que o trabalhador se esgote para cumprir a meta, mas quando ele chega próximo a atingir, não repassa mais nenhuma entrega a ele.
Como um cassino, a “banca” sempre vence. Dessa forma, os entregadores trabalham em ritmo desumano sem receber adicional e o fazem por sua própria conta. O exemplo citado por Ana Claudia se baseia nas denúncias reais que acompanha em grupos de trabalhadores de plataformas. A especialista afirma que não apenas nos trabalhos de entrega isso ocorre, mas também entre os motoristas. Segundo ela conta, motoristas de aplicativos relatam que as plataformas sabem quando eles estão indo para casa e acabam oferecendo corridas para que o motorista siga trabalhando.
Breques e apagões dos aplicativos
Expostos à rotinas desumanas de trabalho, sem direitos trabalhistas e sem leis que os protejam, os trabalhadores de aplicativos têm sido exemplo da precarização do trabalho e também da revolta contra ela. Entregadores e motoristas têm se articulado para fazer protestos nas ruas e para serem protegidos pelo estado por meio de leis.
Contudo, as lideranças dessas manifestações têm sido duramente reprimidas pelas plataformas e pelos grandes comerciantes. Os pequenos, relata Ana Claúdia, são quase tão penalizados quanto os próprios entregadores.
Ana Claudia afirma ainda que mesmo as manifestações como o Apagão dos Apps – que ocorreu na última sexta-feira (23/7) – há limites para os atos. “As plataformas têm uma relação autoritária com os manifestantes, eles perdem pontos em suas notas e com isso, deixam de ser indicados para entregas em que poderiam lucrar mais” afirma a especialista.
A plataformização é uma continuação do Toyotismo
Após a segunda Guerra Mundial, o Japão modificou seu processo produtivo. Ao invés da especialização dos trabalhadores, cada empregado começou a ser responsável por várias etapas de produção, o que foi chamado de acumulação flexível. As funções seriam desempenhadas de acordo com a demanda e não como antes, quando havia um grande acúmulo de matérias primas e peças.
Esse sistema just-in-time – “em cima da hora” – foi responsável pelo início da desregulamentação das leis trabalhistas e também pela terceirização do trabalho. Um sistema que prosperou no Brasil após a aprovação da Reforma Trabalhista do governo Bolsonaro.
Já existe uma lei para proteger os entregadores
Segundo Ana Claudia, a saída para os entregadores é a regulamentação das atividades das plafaormas no Brasil, respeitando a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A especialista acredita que não se deve criar uma nova legislação apenas para eles, pois isso seria a regulamentação de “trabalhadores de segunda classe”, algo injusto e completamente sem cabimento.
Com o crescimentos das plataformas, mais setores passarão a ter trabalhos realizados por meio delas. Medicina, odontologia, jornalismo, entre outros, colocando mais trabalhadores em uma situação nefasta, violenta e desumana.Fonte: Reconta aí (FEEB SC)