Páginas disponibilizadas pela Caixa após CGU pedir transparência (Port Amanda Rossi) – imagem: Arte/UOL –
Um documento com 17 páginas totalmente tarjadas. Foi assim que a Caixa Econômica Federal respondeu a uma determinação da CGU (Controladoria-Geral da União) para dar transparência a informações solicitadas pelo UOL sobre suspeitas de uso político do crédito consignado do Auxílio Brasil.
As tarjas só podem ser removidas pela Caixa. Mas o UOL teve acesso aos documentos originais, sem as ocultações. A atual gestão do banco — que mantém dirigentes que operaram a distribuição do consignado durante o processo eleitoral — estava tentando esconder comunicações sobre riscos e perdas com a linha de crédito.
Os trechos que foram tarjados revelam que o consignado do Auxílio Brasil foi iniciado aos atropelos, com dúvidas e pendências que representavam riscos financeiros e jurídicos. Os demais grandes bancos não aceitaram participar, só a Caixa aderiu. Os prejuízos começaram a aparecer já em novembro.
As informações reforçam as suspeitas de uso político do consignado pela Caixa para favorecer Bolsonaro nas eleições. O então presidente tinha menor intenção de voto entre eleitores de baixa renda, segundo as pesquisas da época.
Em fevereiro, o UOL revelou que a Caixa cortou o consignado após a derrota de Bolsonaro. Do total de R$ 7,6 bilhões liberados em 2022 pelo banco, 99% se concentraram entre o primeiro e o segundo turno.
Também em fevereiro, o UOL pediu, pela Lei de Acesso à Informação, documentos sobre o corte do consignado. Solicitou ainda comunicações trocadas entre a Caixa e órgãos do governo federal sobre o tema, para entender como foi o processo de tomada de decisão. O banco estatal vem se negando, desde então, a fornecer as informações.
Em julho, a CGU determinou que a Caixa enviasse as comunicações. Na semana passada, o banco respondeu com o documento tarjado. Algumas páginas foram completamente ocultadas. Outras mostram apenas palavras sem qualquer significado. A página 12, por exemplo, diz:
“XXX solicitamos possibilitar XXX Considerando manifestação prévia sobre XXX solicitamos XXX posto que entendemos XXX”
Karla Ferreira, superintendente da Caixa, em e-mail de 10 de novembro de 2022, totalmente tarjado pelo banco
Já os documentos sem tarja abordam, sem rodeios, a falta de discussão para implementar rapidamente o consignado em outubro de 2022.
“As discussões sobre o tema não foram realizadas, em grande parte dada a necessidade de priorização de ações referentes à implementação da política pública.”
Ministério da Cidadania, em e-mail para a Caixa em 7 de outubro de 2022
A reportagem questionou a Caixa sobre as tarjas, mas o banco não se manifestou.
Veja aqui o documento tarjado da Caixa.
O que a Caixa tentou esconder com as tarjas
1) “Risco imprevisível às instituições financeiras”
Em 7 de outubro de 2022, cinco dias após o primeiro turno e três dias antes do início da liberação do consignado, a gerente nacional de consignado da Caixa enviou um e-mail para o governo Bolsonaro, intitulado “Alterações – Portaria 816 do Ministério da Cidadania”.
A portaria, que havia sido publicada em 26 de setembro, permitia o início do consignado do Auxílio Brasil.
A Caixa apontou oito problemas na portaria, que precisariam ser alterados.
Um deles era um erro crasso: a portaria fazia referência a uma lei errada. Citava a legislação do consignado para aposentados e pensionistas do INSS, que autoriza o desconto de até 35% dos rendimentos. Mas, para o consignado do Auxílio Brasil, a lei era outra, e permitia o desconto de até 40%. Foi preciso editar uma portaria complementar para fazer a correção.
Outros problemas graves não foram solucionados. A portaria dizia que, se um tomador do empréstimo tivesse o Auxílio cancelado por irregularidade, os bancos deveriam devolver para o Estado todas as parcelas do consignado já pagas.
A Caixa reclamava que o Ministério da Cidadania não tinha dado informações suficientes sobre situações que levariam ao cancelamento dos benefícios.
“A possibilidade de glosa [cancelamento] sem referidos detalhamentos impõe risco imprevisível às instituições financeiras e de difícil mensuração em relação à perda que pode advir do processo, uma vez que não há segurança, ainda, a partir dos dados disponibilizados.”
“Solicitamos a exclusão do artigo até que haja maior aprofundamento das tratativas e as instituições possam estabelecer procedimentos operacionais suficientes para evitar a concessão de crédito para clientes mais propensos ao cancelamento do benefício.”
Karla Ferreira, superintendente da Caixa, em e-mail ao Ministério da Cidadania em 7 de outubro de 2022
O Ministério da Cidadania respondeu no mesmo dia. Disse que a portaria estava vaga “propositalmente”, já que “as discussões sobre o tema não foram realizadas, em grande parte dada a necessidade de priorização de ações referentes à implementação de política pública”. Acrescentou que “oportunamente serão realizados alinhamentos com todas as partes envolvidas”.
O e-mail da Caixa apontava ainda que a portaria tinha pontos em desacordo com resoluções do Banco Central e que havia dúvidas sobre regras operacionais.
Apesar disso, a Caixa começou a liberar o consignado imediatamente. Onze dias depois, outro documento interno — que deveria constar na resposta à CGU, mas foi ocultado — registra que a procura pelo crédito foi recorde, com 206 milhões de acessos no app CaixaTem. “Ou seja, seria como se quase toda a população do país interagisse com o banco”.
Imagem: Arte/UOL
2) “Perda relevante em novembro de 2022”
Oito dias após a derrota de Bolsonaro, a Caixa fez uma reunião com o Ministério da Cidadania. Em seguida, registrou por e-mail o que foi discutido: mais necessidades de correções.
Logo no primeiro mês em que as parcelas do consignado foram descontadas do Auxílio Brasil, o banco estatal teve uma “perda relevante”.
O motivo, diz a Caixa, é que o Ministério da Cidadania não havia informado que o Auxílio Brasil poderia ser bloqueado se o beneficiário não cumprisse as condições de participação no programa, como vacinação infantil e frequência escolar.
A alegação chama a atenção por dois motivos. Primeiro, as condicionalidades da transferência de renda existem desde a criação do Bolsa Família, em 2003. Segundo, porque é a própria Caixa que opera o pagamento do benefício social. É, portanto, o único banco que tem plena ciência dos trâmites de liberação do benefício.
Fato é que a Caixa concedeu o consignado para pessoas que tiveram o benefício cancelado. Então, quando chegou a hora de receber a primeira parcela do crédito, o Auxílio Brasil não caiu e a Caixa ficou sem ver o dinheiro.
“O tema ‘condicionalidades’ não era conhecido pelos agentes financeiros (…) Diante do novo tema, é importante que as linhas de defesa estejam devidamente implementadas para que a Caixa possa optar pela realização ou não de empréstimos aos clientes que estejam na referida condição.”
Karla Ferreira, superintendente da Caixa, em e-mail ao Ministério da Cidadania em 10 de novembro de 2022
Na mensagem, a Caixa pedia ao ministério “a inclusão urgente” de informações sobre beneficiários que tinham pendências com as condicionalidades, para que o banco pudesse negar o crédito para esse grupo.
O ministério só respondeu em dezembro. Disse que não faria nenhuma mudança.
Imagem: Arte/UOL
O que a Caixa continua escondendo
- Documentos internos que explicam por que a Caixa decidiu conceder o consignado do Auxílio Brasil apesar dos problemas apontados pelo próprio banco.
- Documentos internos que explicam por que a Caixa cortou o consignado após a derrota de Bolsonaro.
- Dados sobre o volume exato de reservas do banco estatal após a derrota de Bolsonaro, que podem mostrar qual foi o nível de risco que a Caixa assumiu para liberar os R$ 7,6 bilhões do consignado em 20 dias.
Documento foi enviado por diretora que atuou no consignado
A resposta da Caixa à CGU diz que o banco disponibilizou “anexo com tarjamento parcial, que foi aplicado nos trechos cujas informações estão abarcadas pelo sigilo previsto em lei ou que não compõem o pedido”.
O texto é assinado por altos executivos da Caixa. Entre eles, Karla Montes Ferreira, superintendente nacional de Crédito Pessoa Física. É ela também que assina a maior parte dos e-mails que foram tarjados.
Também assinam a resposta à CGU: Marcelo Viana Paris, superintendente nacional de Benefícios Sociais; Tiago Cordeiro de Oliveira, diretor executivo de Produtos de Governo; Helen Cristina R. S. Costa, consultora matriz de Produtos de Varejo; Simone Rosa, gerente de Clientes e Negócios de Produtos de Varejo.
A CGU havia admitido a possibilidade de tarjamento “de eventuais informações comerciais cuja divulgação possa resultar em vantagem competitiva para seus concorrentes”.
Havia determinado, porém, que “todos os trechos eventualmente tarjados deverão ser devidamente justificados”, o que não ocorreu. (Fonte: UOL)
‘CONQUISTE’ DA CAIXA: SOBRECARGA E METAS EM FAVOR DE TERCEIROS
Em uma live feita recentemente, a direção da Caixa Econômica Federal elogiou o resultado da “Rede Parceira” – lotéricas e outros correspondentes bancários. No entanto, os sindicatos receberam inúmeras denúncias de que, na verdade, a falta de resultados por parte dos “parceiros terceirizados” afeta os resultados da agência vinculada.
Em negociação com o banco, em 27 de julho, a Comissão Executiva dos Empregados (CEE) relatou que, de fato, são os já sobrecarregados empregados que realizam negócios e os direcionam à “Rede Parceira” para finalização, sendo esta remunerada por um serviço que não prestou. E mais: se o empregado Caixa não direcionar a produção para a “Rede Parceira”, sua agência pode ser penalizada.
“Resumindo esta gritante injustiça, o que acontece é que é a rede da Caixa a grande ‘parceira’, enquanto os terceirizados colhem resultados sendo remunerados pelo que não produzem. Ou seja, a direção do banco demonstrou total desconhecimento do que ocorre nas unidades ao elogiar os resultados das terceirizadas”, afirmou Rogério Campanate, dirigente do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro e da CEE.
Caixa Seguridade
Outro exemplo da ‘terceirização’ da mão-de-obra dos empregados refere-se ao Caixa Seguridade cuja venda não leva em consideração a capacidade e falta de condições de trabalho nas unidades. Este serviço ocupa a maior parte do tempo de muitos empregados e corresponde a um resultado em torno de 5% do balanço da empresa, enquanto, no ‘Conquiste’, chega a quase 1/3 do resultado quando levados em consideração os chamados mobilizadores.
“Obviamente realizar resultados para terceiros é, por si só, um motivo que agrava a adoecimento, mas não é apenas isso. Há diversos itens em que simplesmente não é possível fazer a conferência dos números apresentados no ‘Conquiste’, como RPS, Cross Sell e expansão de base, sendo que, esse último simplesmente possui informações incorretas no relacionamento.caixa, impedindo qualquer planejamento”, frisou Campanate.
Sistema confuso
Lembrou, ainda, que, em outros itens, é necessário acessar diversos sistemas para verificar a produção, como o crédito pessoa física – além de ter produtos sem taxas competitivas e outros sem funding, ou seja, é impossível atingir um resultado sem ter como operar o produto. “O peso do item ‘Adimplência’ foi aumentado e muitos empregados encontram dificuldades para compreender os indicadores. Em outros itens, como ‘Tempo de Espera’, a empresa cobra dos empregados um resultado que sequer é capaz de mensurar, porque o sistema simplesmente não funciona”, exemplificou Campanate.
Outro ponto fundamental a respeito dos objetivos determinados no ‘Conquiste’ é a discrepância entre esses objetivos e a real necessidade e capacidade das unidades em atingi-los. “Há muito tempo os objetivos não levam em consideração a capacidade de produção das unidades e muito menos sua vocação. O resultado desse absurdo é que unidades que atingiram a alta performance, caíram de classe porque as metas desconsideraram a sustentabilidade da própria unidade. Soma-se a isso o verdadeiro apagão de conhecimentos de CRR (custos, receitas e resultados) por parte das equipes de gestores das unidades, já que há anos não se faz um treinamento com os gerentes a respeito”, afirmou.
Para Campanate, a exemplo do que ocorreu com o PQV e a GDP, as entidades representativas dos empregados esperam que as informações levadas à mesa sejam devidamente encaminhadas às áreas responsáveis, de forma a minimizar as contradições demonstradas. (Fonte: Seeb RIO)
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